segunda-feira, 25 de junho de 2012

Crônica da Residência em Neurocirurgia


Depois de quase cinco anos completos frequentando assiduamente centro cirúrgico e enfermaria de neurocirurgia em certo hospital público da cidade do Rio de Janeiro, posso considerar que amadureci muito em vários aspectos, tanto pessoal e emocional como técnico e científico. Ainda não cheguei à conclusão se esses anos demoraram muito ou se passaram muito rápido, mas no meio deles, tenho a certeza que vivi “hospital público” o equivalente a mais de dez anos, cada ano valendo por dois ou mais, já que passei por todos os tipos de situações e, principalmente, aprendi a me virar sozinho. Dentre todas essas situações, é claro que uma porcentagem das mais inusitadas da minha vida está inclusa.
Confesso que tendo a oportunidade de escolher entre grandes e tradicionais hospitais públicos da antiga capital federal, que concentram suas forças em cirurgias eletivas, com certo medo optei por um com uma grande emergência aberta. Lá as salas eletivas eram disputadas quase a tapas e bate-bocas entre os cirurgiões de diversas especialidades, assim como as cirurgias de emergência que não paravam de brotar porta adentro.
Na faculdade, sempre ouvia muito falar que na época da residência, o que mais importava ao cirurgião era as “horas de vôo”, ou melhor, “horas de centro cirúrgico”, e que, um hospital com um volume cirúrgico alto seria assim o modelo de residência. Demorei a crer nisso e ainda acho que cabem ponderações, de fato aprendi assistindo bons cirurgiões que a experiência não tem como se ganhar num curso, num livro ou num slide do power point, e que, ela é sim, um diferencial que não são todos que a obtém.
A experiência no entanto não é uma ferramenta útil quando não se sabe o que existe por trás de cada estrutura anatômica. Em cada curso que frequento, percebo que quanto mais estudo menos anatomia eu sei e que, a sensação que tive que esta seria uma ciência limitada é ledo equívoco, é simplesmente infinita. Senti falta de aulas práticas de anatomia em peças, de um professor doutor dissecando cadáveres comigo e de um laboratório de microcirurgia para explorar os espécimes. Enfim, valeria escolher a experiência e abdicar da teoria mastigada? Não haveria uma maneira de fazê-los coexistirem?
Escolha feita o que resta é mergulhar na prática e nadar como se fosse uma criança em uma piscina de clube de verão. Descobri que a teoria e a prática, na prática, se retroalimentam através de um cabo que se chama CURIOSIDADE. O que via acontecer sob os campos operatórios, me deixava faminto para abrir o atlas de anatomia e saber o que havia ali por trás, saber como havíamos chegado até ali e se mexêssemos em tal estrutura o que ocorreria. Enfim descobri porque os curiosos são pessoas no mínimo diferentes e deixei de nos ver como possuidores de um defeito, e sim, de uma qualidade que impulsiona o estudo e engorda o conhecimento.
 Naveguei alguns anos pela prática do SUS, desde ressucitações cárdio pulmonares na calada da noite, inúmeras intubações orotraqueais, trepanações manuais e drenagem de hematoma subdural crônico em mais de um paciente no meio da madrugada. Depois passei a frequentar as eletivas e ganhei espaço como auxiliar de residentes mais velhos, fui observando toda a movimentação das mãos e a verdadeira dança dos dedos dos cirurgiões mais antigos, adquirindo experiência gradativamente e ganhando coragem para construir minhas primeiras artrodeses, verdadeiras obras como meus olhos as viam e admiravam. Ao conquistar a dissecção das cisternas da base do cérebro me senti como um verdadeiro mergulhador explorando e descobrindo as belezas das profundezas da neuroanatomia.
Atualmente vejo os novos residentes e me vejo há 5 anos atrás, cheios de dúvidas e incertezas quanto à escolha feita para o local do treinamento. Como diriam os antigos, “quem faz a escola é o aluno”, sendo assim concluo que eu fui um bom aluno. Ao terminar cada aventura no centro cirúrgico, já que considero cada cirurgia uma experiência única, mesmo que seja em patologias idênticas, consigo colocar o pé no chão, olhar para trás e saber que valeu a pena cada hora de sono perdida, cada minuto de fome passado, cada bronca engolida a seco e cada fio de cabelo branco que me surgiu. Eu olho no espelho o considero os pequenos fios brancos verdadeiros calos desse período, mas que podem ser interpretados como marca de um GUERREIRO, que todo RESIDENTE de NEUROCIRURGIA tem que ser. Fernando Pessoa tinha razão quando disse que tudo valia a pena para os que tinham alma grande.

Bernardo de Andrada

4 comentários:

  1. Outro dia comentava com minha mãe a diferença de uma seguidora de redes sociais, estudante de medicina que exaustivamente comenta seu tédio e irritação em TODAS as matérias da academia e o eterno estudante, Bernardo de Andrada Pereira (isso mesmo, né?), um profissional apaixonado e dedicado pela medicina.
    Como todos os profissionais, se depara com as dificuldades no seu dia-a-dia, mas sempre deixa o amor pelo que faz transpor a tudo isto.
    Se eu precisar de um neurocirurgião no futuro, quero ser tratada pelo dr. Bernardo.
    Parabéns pela dedicação.

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    1. AH! Senti muita emoção ao ler sua crônica. Estou viva, graças a Deus, para poder apreciar tudo isso!
      Muito bom! Parabéns! Muita dignidade e vocação divinal.

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  2. Oi Bernardo, tudo bem? Não sei vc lembra de mim, mas meu nome é Marcelo Felippe, sou aluno de Vassouras, nos conhecemos no Rioneuro 2010. Queria lhe dizer que seu texto é inspirador, estou no último ano me esforcando para passar na residencia de neurocirurgia e ler o seu texto agora foi combustível para estudar mais e saber que anos de conhecimento e dedicação estão por vir. Parabéns pela sua conquista e espero que continue conpartilhando suas experiências com jovens neurocirurgioes ansiosos como eu que estão por vir. Um grande abraco....

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    1. Oi Marcelo.
      Fico satisfeito em saber que meu texto lhe causou o bem, esse é o meu objetivo. Seja bem
      vindo ao blog e caso queira me mande um e-mail. Um abraço!

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